Organizadores: Henrique Zoqui Martins Parra (UNIFESP) e Alana Moraes (IBICT-RJ).
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No presente dossiê, gostaríamos de convocar trabalhos que percorrem zonas de contato entre os estudos da ciência e da técnica e os estudos sobre a catástrofe socioambiental e sanitária em curso, zonas que adquiriram proeminência especialmente durante a pandemia de Covid-19 e a aceleração da expansão do domínio do codificável propiciada por ela. Antropoceno e Tecnoceno (e suas variantes) hoje conformam áreas transdisciplinares de investigações que confluem na atenção aos arranjos socioetécnicos e outros que humanos para a compreensão da nova época geológica marcada pelos impactos em escala e velocidade de certas ações humanas na regulação do planeta. Conferimos especial atenção à analítica da colonialidade e suas expressões conceituais, epistêmicas e políticas que nos permitem visualizar relações entre tecnologias extrativistas, a virada cibernética, regimes de conhecimento e novas formas de controle. Tais zonas de contato podem nos sinalizar para a falência do “sistema de coordenadas moderno”, como intui Bruno Latour, ao mesmo tempo que apontam para promissoras invenções conceituais e ontoepistmêmicas diante de um tempo ode catástrofes.
A chamada de artigos para o dossiê estará aberta até o dia 15 de março de 2024 e serão aceitos textos originais em português, espanhol e inglês. As contribuições devem ser submetidas através do sistema online da revista: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/index
Ementa Completa. Para uma visão mais detalhada da proposta e dos objetivos deste dossiê, acesse (ou leia abaixo): https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/announcement/view/445
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[português] Ementa – proposta inicial
A emergência ecológica-sanitária produzida pela pandemia de Covid-19 reconfigura nossa experiência como espécie. O colapso planetário e a crise civilizacional do movimento incessante de modernização capitalista recolocam na cena pública um conjunto de evidências geo-históricas que tornam ainda mais tangíveis os limites de um “povoamento erradicador” (Mbembe, 2020:126) inaugurado pelo empreendimento colonial. O regime racializado de asfixia e morte diferenciada combinado a um novo ciclo de aceleração extrativa – do trabalho subalternizado, da vida dataficada, do conhecimento e ecossistemas inteiros – fez da pandemia um inaudito laboratório tecnopolítico do capitalismo cibernético-extrativista, ela própria sendo um produto direto das práticas extrativistas e de simplificação ecológica (Moraes, Parra, 2021). Além disso, o regime de confinamento acelerou a ampliação do domínio do codificável, intensificando a corrosão das infraestruturas coletivas e de cuidados.
Para além dos grandes esquemas conceituais que logo surgiram a fim de confirmar sua contemporaneidade e relevância diante do colapso, há também uma certa intuição generalizada de que nem a política moderna e suas tecnologias de governo, nem a arquitetura ontoepistemológica da ciência moderna e seu funcionamento disciplinar são capazes de oferecer caminhos para além daqueles que nos fazem voltar sempre ao mesmo “beco sem saída”, como lembrava Aimé Césaire. Simplificação ecológica, expropriação, deslocamentos forçados, contaminação, confinamento, pandemias: o arsenal da colonialidade é o que permite e incrementa novas tecnologias de extração e controle para além da já conhecida “coleta de dados”, produzindo o próprio meio da vida social pela expansão da tecnosfera, permitindo assim que a economia suplante, dia após dia, a vida mesma. Há, assim, um novo e inédito avanço sobre o Comum (em suas diferenças constitutivas e irredutíveis) operado pelas dinâmicas de extração transnacionais na escala planetária: energia, bens materiais, corpos e tempo vital (GAGO; MEZZADRA, 2015; ROLNIK, 2019).
Relatórios sobre novos contágios e mortes decorrentes da catástrofe pandêmica se cruzam agora com outros sobre o aquecimento talvez irreversível do planeta. Eventos climáticos extremos coexistem com o delírio expansionista e extraterrestre das chamadas Big Tech que não apenas planejam novas expedições extrativistas em Marte, como já tomam a dianteira da “aceleração da inovação na agricultura”, como define a Microsoft, em muitas regiões do planeta. A condição de confinamento parece ter sido a tempestade perfeita para a expansão do domínio do codificável e consolidação das grandes corporações tecnológicas que hoje aparecem como “indispensáveis” para o funcionamento de muitas dimensões da vida social – a “vida social”, aliás, encontra-se em suspensão inédita enquanto categoria capaz de expressar um mundo comum. A governamentalidade algorítmica tem como “unidade de medida não o cidadão e nem o estado-nação, mas sim as populações-público para quem podem se dirigir em qualquer ponto do globo” (Costa, 2021) e hoje possui acesso irrestrito à um circuito de valor que só é possível pela extração da mais-valia relacional, interacional e psíquica promovida, gestada e comercializada pelas corporações que conduzem os ambientes digitais em que estamos inseridos.
A nova governamentalidade algorítmica (Rouvroy; Berns, 2015) pode ser então pensada como atualização tecnopolítica de um regime estrangeiro e deslocalizado de controle total, domesticação e ordenamento do mundo da vida (e não apenas do trabalho, como já demonstram os inúmeros estudos sobre plataformização ou uberização do trabalho). Com o colonialismo, ela compartilha “o prazer da racionalização ultrajante, a paixão pela redução, o gozo do achatamento binário”. Como lembra Flavia Costa, essa nova forma de controle busca não só saber o que as pessoas fazem e porquê, mas intervir em suas próximas condutas. Expande-se assim a chamada Data-driven rationality : “Um novo regime de produção de conhecimento em que o processamento de dados por meio de estatísticas avançadas e os modelos de previsão informam as decisões, ações e relações” (Ricaurte, 2019:1).
Pegando emprestada a semiótica da “geologia branca” e sua gramática de extração, o capitalismo cibernético soube converter em “dados” e “informação” – fazendo atuar assim a ficção de uma matéria não-humana e inerte – um conjunto de relações, afecções, criações, aprendizagens e a própria produção do mundo social, ao mesmo tempo em que converte em “recursos” uma série de ecossistemas minerais e sua gente, ampliando as “zonas sacrificáveis” do planeta em nome de um inquestionável “progresso tecnológico”. O truque da gramática geológica, afirma Yusoff, foi imprimir no mundo uma grande classificação hierarquizada entre coisas vivas e inertes, e assim neutralizar, mas também “desanimar” o mundo, como fala Aílton Krenak sobre o colonialismo e seus modos de conhecer.
Tomar o capitalismo cibernético como herdeiro da catástrofe ancestral (Povinelli, 2016) do colonialismo é partir também da constatação de que “para muitas regiões do Sul, na verdade, recriar a vida a partir do invivível tem sido a condição reinante ao longo de séculos “ (Mbembe, 2021:26). Como sabemos, o colonialismo foi justificado, muitas vezes, por uma suposta “superioridade técnica” do mundo ocidental que conferia um consequente dever moral de “civilizar” e “desenvolver” o mundo “selvagem”, “caótico”, “lento”, “ineficiente”. O extrativismo pode ser pensado como aquilo que oferece toda a gramática que garante a expansão da colonialidade para além dos regimes propriamente coloniais, atuando como esse “patrón de relacionamiento instituido como pilar estructural del mundo moderno, como base fundamental de la geografía y la “civilización” del capital, pues el capitalismo nace de y se expande con y a través del extractivismo” (Araoz, 2016:15). A virada cibernética intensifica o pressuposto de “que a natureza se encontra totalmente disponível aos processos de recuperação, processamento e armazenamento de informação, possibilitados pela máquina universal”.
Noutra escala do problema, a noção de Tecnoceno utilizada por Hermínio Martins, nos permite analisar os processos que tornam possível o Antropoceno sob uma perspectiva complementar, na qual os efeitos que produzem essa nova era geológica resultariam da agência tecnológica que ultrapassa os processos psico-físico-biológicos que constituem o Homo sapiens sapiens. O autor argumenta que a trajetória da nossa espécie se tornou interdependente e mutuamente promotora da tecnicização e da mercantilização; a combinação do desenvolvimento tecnocientífico com as dinâmicas capitalistas de mercantilização promovem transformações radicais na própria caracterização do humano, do seu corpo e das instituições que regulam a vida social, dando forma ao Tecnoceno (MARTINS, 2018).
Desta forma, a virada cibernética oferece a infraestrutura e imaginação técnica para o que Naomi Klein identificou como o “capitalismo de catástrofe”: é através da atmosfera de catástrofes permanentes que governos e seus arsenais militares junto de interesses privados produzem a condição necessária para violar direitos e expandir a razão tecnocrática na gestão de corpos e territórios, tornando ilegível qualquer movimento de interrupção do funcionamento da ordem.
Como lembrava Laymert Garcia dos Santos, a virada cibernética acelerada pela Segunda Guerra Mundial foi o que conferiu “à tecnociência a função de motor de uma acumulação que vai tomar todo o mundo existente como matéria-prima à disposição do trabalho tecnocientífico”. Esse ímpeto de uma “dominação irrestrita da natureza pelo homem” não pode ser pensado, entretanto, sem o próprio repertório da colonialidade. De certa forma, talvez a “virada cibernética” possa ser interpretada como uma “continuação das narrativas da plantação/plantation” (McKittrick, 2013) na medida em que ela expressa ainda a operação colonial que converteu, como elabora Sylvia Wynter (2003), o objetivo supraordenador de redenção espiritual e salvação eterna da ordem feudal em uma redenção racional de domínio racializado.
Seja pelas intervenções militares mais diretas cujo objetivo enunciado pertence ainda ao projeto civilizatório, securitário e pacificador, seja pela produção de uma urbanização predatória e financeirizada que reserva às regiões mais degradadas e vulneráveis aos eventos climáticos extremos para as populações mais pobres, ou seja ainda pela expansão da tecno-indústria do agronegócio que se amplia deslocando populações, monopolizando bens naturais, suscitando epidemias e promovendo silenciosas guerras químicas, o capitalismo de catástrofe foi capaz de articular, de forma inédita, um circuito distribuído de dispositivos cuja legitimidade se ampara em uma “racionalidade funcional aparentemente neutra” (FEENBERG, 2010). Como Horácio Machado (2016) analisa sobre o ciclo neoextrativista neoliberal, “estamos hablando de un incremento, a inéditas escalas históricas, de la capacidade de disposición del capital sobre la vida en general y sobre el conjunto de los procesos y manifestaciones de la vida”.
Neste dossiê, gostaríamos de convocar pesquisas e reflexões que percorram algumas zonas de contato entre os campos transdisciplinares dos estudos do Antropoceno e do Tecnoceno. Esses cruzamentos percorrem os estudos decoloniais, os estudos da técnica e da ciência, as reflexões críticas sobre a cibernética tecnoautoritária e seus regimes de conhecimento, mas também se nutrem de práticas terranas de conhecimento que resistem abrindo outros possíveis – e que possam oferecer outras chaves de investigação para a compreensão do capitalismo cibernético, sua razão logística e o regime ecológico de fraturação em curso.
Tanto as lutas anticoloniais (ou contracoloniais, como prefere o pensador quilombola Nego Bispo), como as lutas coletivas que se abrem a partir do Novo Regime Climático, mas também as lutas epistêmicas que irrigam práticas de conhecimento de defesa de territórios e todas as múltiplas entidades humanas e outras que humanas que os compõem, encontram hoje o desafio de compor um campo fecundo de experimentações técnicas-científicas. O que poderia ser também uma perspectiva tecnopolítica decolonial que percorra as reflexões sobre “decrescimento”, “pós-crescimento”, as alternativas às imaginações do “progressismo”, do “tecnosolucionismo” e do “aceleracionismo” que apresentam-se como horizonte da governamentalidade de crise do capitalismo pós-pandêmico. Como recorda Bruno Latour (2021), fazendo ecoar uma constatação já muito antiga de povos da Terra: “por trás da crise política irrompe uma crise cosmológica”.
[Imagem: Superstudio, Continuous Monument, 1969]
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[Espanol] Llamada completa
La emergencia ecológico-sanitaria producida por la pandemia de Covid-19 remodela nuestra experiencia como especie. El colapso planetario y la crisis civilizatoria del incesante movimiento de modernización capitalista devuelven a la escena pública un conjunto de evidencias geohistóricas que hacen aún más tangibles los límites del “asentamiento erradicador” (Mbembe, 2020:126) inaugurado por la empresa colonial. El régimen racializado de asfixia y muerte diferenciada combinado con un nuevo ciclo de aceleración extractiva – de trabajo subalternizado, vida datificada, conocimiento y ecosistemas enteros – hizo de la pandemia un laboratorio tecnopolítico del capitalismo cibernético-extractivo, en sí mismo un producto directo de prácticas de simplificación extractiva y ecológica (Moraes, Parra, 2021). Además, el régimen de confinamiento aceleró la expansión del dominio de lo codificable, intensificando la corrosión de las infraestructuras colectivas y de cuidados.
Además de los grandes esquemas conceptuales que pronto surgieron para confirmar su contemporaneidad y relevancia frente al colapso, también existe una cierta intuición generalizada de que ni la política moderna y sus tecnologías de gobierno, ni la arquitectura ontoepistemológica de la modernidad, la ciencia y su funcionamiento disciplinar, son capaces de ofrecer caminos más allá de aquellos que siempre nos hacen regresar al mismo “callejón sin salida”, como recordó Aimé Césaire. Simplificación ecológica, expropiación, desplazamiento forzado, contaminación, confinamiento, pandemias: el arsenal de la colonialidad es lo que permite y aumenta nuevas tecnologías de extracción y control más allá de la ya conocida “recolección de datos”, produciendo los medios mismos de vida social a través de la expansión de la tecnosfera, permitiendo así que la economía suplante, día tras día, la vida misma. Se produce, por tanto, un nuevo y sin precedentes avance sobre lo Común (en sus diferencias constitutivas e irreductibles) operado por dinámicas de extracción transnacional a escala planetaria: energía, bienes materiales, cuerpos y tiempo vital (GAGO; MEZZADRA, 2015; ROLNIK, 2019 ).
La nueva gubernamentalidad algorítmica (Rouvroy; Berns, 2015) puede entonces considerarse como una actualización tecnopolítica de un régimen extranjero y deslocalizado de control total, domesticación y ordenamiento del mundo de la vida (y no solo del trabajo, como ya lo han hecho innumerables estudios sobre el trabajo digital-plataformizado). Esta nueva tecnologia de poder tiene como “unidad de medida no al ciudadano ni al Estado-nación, sino a las poblaciones públicas a las que puede dirigirse en cualquier parte del globo” (Costa, 2021) y hoy tiene acceso irrestricto a un circuito de valor que sólo es posible extrayendo el valor añadido relacional, interaccional y psíquico promovido, gestionado y comercializado por las corporaciones que dirigen los entornos digitales en los que operamos.
Con el colonialismo comparte “el placer de la racionalización escandalosa, la pasión por la reducción, el disfrute del aplanamiento binario”. Como nos recuerda Flavia Costa, esta nueva forma de control busca no sólo saber qué hacen las personas y por qué, sino intervenir en sus comportamientos. Esto amplía la llamada racionalidad basada en datos: “Un nuevo régimen de producción de conocimiento en el que el procesamiento de datos a través de estadísticas avanzadas y modelos de predicción informan decisiones, acciones y relaciones” (Ricaurte, 2019:1).
Tomando prestada la semiótica de la “geología blanca” y su gramática de extracción, el capitalismo cibernético supo convertir em “datos” y “información” un conjunto de relaciones, afectos, creaciones, aprendizajes y producción del propio mundo social, al mismo tiempo que convierte una serie de ecosistemas minerales y sus gentes en “recursos”, ampliando las “zonas de sacrificio” del planeta en nombre de “progreso tecnológico” incuestionable. El truco de la gramática geológica, afirma Yusoff, fue imprimir al mundo una gran clasificación jerárquica entre seres vivos e inertes, y así neutralizar, pero también “desanimar” al mundo, como habla Aílton Krenak del colonialismo y sus modos de conocimiento.
Tomar al cibercapitalismo como heredero de la catástrofe ancestral (Povinelli, 2016) del colonialismo también se basa en la observación de que “para muchas regiones del Sur, de hecho, recrear vida a partir de lo inhabitable ha sido la condición predominante durante siglos” (Mbembe, 2021:26). Como sabemos, el colonialismo se justificó a menudo por una supuesta “superioridad técnica” del mundo occidental que confería el consiguiente deber moral de “civilizar” y “desarrollar” a los “salvajes”, “caóticos”, “lentos”, “ineficientes”.
Se puede pensar en el extractivismo como aquello que ofrece toda la gramática que garantiza la expansión de la colonialidad más allá de los regímenes propiamente coloniales, actuando como este “patrón de relación establecido como pilar estructural del mundo moderno, como base fundamental de la geografía y la civilización del capital, porque el capitalismo nace y se expande a través del extractivismo” (Araoz, 2016:15). El giro cibernético intensifica la suposición “de que la naturaleza está plenamente disponible para los procesos de recuperación, procesamiento y almacenamiento de información, posibles gracias a la máquina universal”.
En otra escala del problema, la noción de Tecnoceno utilizada por Hermínio Martins, permite analizar los procesos que hacen posible el Antropoceno desde una perspectiva complementaria, en la que los efectos que produciría esta nueva era geológica resultarían de una agencia tecnológica que va más allá de los procesos psico-socio-físicos-biológicos que constituyen el Homo sapiens sapiens. El autor sostiene que la trayectoria de nuestra especie se ha vuelto interdependiente y mutuamente promotora de la tecnificación y mercantilización; la combinación del desarrollo tecnocientífico con las dinámicas capitalistas de mercantilización promueven transformaciones radicales en la caracterización misma de los humanos, sus cuerpos y las instituciones que regulan la vida social, dando forma al Tecnoceno (MARTINS, 2018).
Como recordó Laymert García dos Santos, el cambio cibernético acelerado por la Segunda Guerra Mundial fue lo que dio a “la tecnociencia la función de impulsar una acumulación que tomará todo el mundo existente como materia prima disponible para el trabajo tecnocientífico”. Sin embargo, no se puede pensar en este impulso hacia una “dominación irrestricta de la naturaleza por el hombre” sin el repertorio de la colonialidad misma. En cierto modo, tal vez el “giro cibernético” pueda interpretarse como una “continuación de las narrativas de las plantaciones” (McKittrick, 2013) en la medida en que expresa la operación colonial que convirtió, como explica Sylvia Wynter (2003), el objetivo general de la redención espiritual y salvación eterna del orden feudal en una redención racional del dominio racializado.
Ya sea a través de intervenciones militares más directas cuyo objetivo declarado todavía pertenece al proyecto civilizador, de seguridad y de establecimiento de la paz, o a través de la producción de una urbanización depredadora y financiarizada que reserva las regiones más degradadas y vulnerables a eventos climáticos extremos para las poblaciones más pobres, o incluso a través de la expansión de la tecnoindustria agroindustrial que se expande desplazando poblaciones, monopolizando activos naturales, provocando epidemias y promoviendo guerras químicas silenciosas. El capitalismo catastrófico fue capaz de articular, de una manera sin precedentes, un circuito distribuido de dispositivos cuya legitimidad está respaldada por una “aparentemente racionalidad funcional neutral” (FEENBERG, 2010). Como analiza Horácio Machado (2016) el ciclo neoliberal neoextractivista, “estamos hablando de un aumento, en escalas históricas sin precedentes, de la capacidad de disponer de capital sobre la vida en general y sobre el conjunto de procesos y manifestaciones de la vida”.
En este dossier queremos convocar a investigaciones y reflexiones que abarquen algunas áreas de contacto entre los campos transdisciplinarios de los estudios del Antropoceno y el Tecnoceno. Estas intersecciones atraviesan estudios decoloniales, estudios de técnica y ciencia, reflexiones críticas sobre la cibernética tecnoautoritaria y sus regímenes de conocimiento, pero también se nutren de prácticas terranas de conocimiento que resisten creando otras posibilidades de vida que pueden ofrecer otras claves de investigación para comprender el capitalismo cibernético, su razón logística y el actual régimen ecológico de fracturación.
Tanto las luchas anticoloniales (o contracoloniales, como prefiere el pensador quilombola Nego Bispo), como las luchas colectivas que se abrieron con el Nuevo Régimen Climático, pero también las luchas epistémicas que irrigan las prácticas de conocimiento para la defensa de los territorios y de todas las entidades múltiples humanas y no humanas que los componen, enfrentan hoy el desafío de componer un fructífero campo de experimentos técnico-científicos. Lo que también podría ser una perspectiva tecnopolítica decolonial que abarque reflexiones sobre el “decrecimiento”, el “postcrecimiento”, alternativas a los imaginarios del “progresismo”, el “tecnosolucionismo” y el “aceleracionismo” que se presentan como el horizonte de la crisis de gubernamentalidad del capitalismo pós-pandémico. Como recuerda Bruno Latour (2021), haciéndose eco de una observación muy antigua sobre la gente en la Tierra: “detrás de la crisis política, estalla una crisis cosmológica”.