Recomendo a escuta desta apresentação do Antonio Lafuente na EACH/USP, numa atividade organizada pela Daria Daremtchuk do Grupo de Pesquisa Entre Artes Contemporâneas. Como não pude comparecer, pedi a ela que gravasse o audio. Registro recebido, escrevi ao Antonio solicitando autorização pra compartilha-lo. Obviamente, nenhuma objeção. Publiquei-o em seguida no Internet Archive (Disponível aqui: https://archive.org/details/20150528083352 ).
Já faz algum tempo que acompanho sua produção. Considero-a muito inspiradora para os trabalhos que venho desenvolvendo, tanto na pesquisa como na ação política. Serei sempre grato ao colega Luis Ferla por ter me apresentado a ele na Unifesp, lá no Bairro dos Pimentas, onde mais tarde o próprio Antonio voltaria outras vezes pra participar de seminários e de uma não-aula no (des)curso “Leituras do Fora” que oferecemos (eu, Edson Teles e Fernanda Cruz) como disciplina eletiva .
Após escutar o audio, resolvi fazer algumas anotações que compartilho aqui. Antonio Lafuente explora algumas questões sobre a produção de conhecimentos (científicos e extra-científicos) e sua relação com os coletivos humanos (instituições, Estado, academia, extra-universidade).
Sua trajetória de historiador da ciência, soma-se ao longo trabalho de pesquisa sobre práticas alternativas de produção de conhecimentos (ciência amadora, ciência cidadã, comunidades epistêmicas, cozinhas, laboratórios de garagem…) e mais recentemente à prática de coletivos ativistas que combinam o uso de tecnologias digitais à investigação amadora para a inovação cidadã (novas modos de participação e ação política). Um exemplo disso são algumas iniciativas que ele coordena do MediaLab Prado.
Nesta palestra ele faz um interessante caminho, partindo de algumas boas questões: o que os cientistas podem aprender com os ativistas, e o que os ativistas podem aprender com os cientistas? Como avançarmos da ciência aberta em direção à ciência comum?
No centro das reflexões está a própria noção do que é ciência. Lafuente interroga os limites da idéia de ciencia aberta (open science) apontando como ela surge como forma de resistência aos processos de privatização de conhecimento, mas que, dado o caráter ambiguo e paradoxal do nosso ambiente sociotécnico, a Open Science também participa ativamente da própria expansão do capitalismo informacional.
Ele confronta a idéia de Ciência Aberta com a proposta de uma Ciência Comum (Common Science). Se por um lado a ciência aberta estaria orientada pelo caráter público da ciência (a ciência para todos); a ciência comum estaria orientada por uma idéia da ciência feita “entre todos”. O “comum” teria aqui duas dimensões: enquanto recurso comum (commons no sentido econômico de bens comuns); mas também comum no sentido daquilo que é partilhado. Lafuente parece dar mais destaque a esta segunda dimensão (esta seria uma primeira pergunta para ele).
Ao chamar atenção para esta dimensão do Comum, Lafuente faz um deslocamento interessante e recoloca esta discussão no âmbito do que alguns teóricos chamam de Pró-comum (nem publico-estatal, nem privado). Mas ele vai ainda mais longe, pois ao colocar a ciência na perspectiva do pró-comum ele interroga a idéia da ciência como instituição.
Pra isso, ela faz uso de um artifício. As instituições, dado seu caráter relativamente objetivo e autônomo (é um conjunto de relações com regras próprias de funcionamento) funda-se num cercamento baseado na delimitação entre um dentro e um fora (o que é ou não reconhecimento como científico). Em oposição às instituições, ele usa o neologismo “extituições”. Ao invés de criar fronteiras entre o dentro e o fora, a extituição busca criar conexões entre o dentro e o fora.
Esta ciência comum, portanto, estaria fundada naquilo que é partilhado por todos e ao mesmo tempo, é singular a cada um: a experiência. Do experimental à experiencial; todos somos experts em experiência; um conhecimento baseado na experiencia é um conhecimenho que não separa experts e leigos, é um conhecimento que todos têm.
A impressão que dá, é que Lafuente constrói um plano de imanência onde ele cria conceitos que sejam capazes de abrigar as novas práticas cognitivas que ele descreve. Mas será que a ciência comum, na perspectiva colocada por Lafuente, apontaria também para uma outra ordem política? Ele não fala isso diretamente; esta seria uma segunda pergunta para ele. Fiquei com esta impressão pois ao final de sua intervenção ele desenvolve um comentário sobre os novos movimentos sociais na Espanha.
Em sua descrição os movimentos da geração 15M (em sua multiplicidade de grupos), articulam 3 características que os distinguem dos movimentos anteriores: (1) dos protestos às propostas: são movimentos que não mais se limitam a protestar contra algo. Isso os obriga a se configurarem como comunidades de aprendizagens, comunidades cognitivas que enfrentam problemas comuns; (2) do experimental ao experiencial: são esses problemas comuns, os seus modos de enfrentamento e a experiência produzida neste trabalho que estão na base na organização; (3) da reivindicação dos direitos civis (afirmação de sujeitos de direitos), a criação de infraestruturas próprias que produzem recursividade. Além de reivindicar direitos, esses movimentos inauguram soluções baseadas numa permanente abertura.
Essas ações juntas se comportam como um Protótipo, um laboratório que não estaria destinado à produção de coisas, mas espaços destinados à criação de comunidades. Aqui a inspiração do software livre é fundamental em sua dimensão “livre”, tanto a novas agregações, quanto a novas clivagens que não perdem aquilo que foi produzido em comum. Nesta acepção, tal “comunidade” política não estaria baseada em direitos exclusivos (relacionadas à um sujeito específico de direitos), e sim na abertura à chegada de outros, obrigando-nos à permanente tarefa de criar novas formas de viver juntos.