[seminário] Técnicas do vivo face à biopolítica

27 de agosto às 17hs

Local: Sala reuniões ProPGPQ – 2 andar, Reitoria Unifesp
Avenida Sena Madureira, n.1500, São Paulo.

Link para texto base do seminárioTécnicas vitais e tecnologias do
vivo/vivente face à biopolítica

O texto Técnicas vitais e tecnologias do vivo face à biopolítica de Federico Testa, integra o livro Canguilhem face à la biopolitique Propositions d’épistémologie politique, organizado por Giulia Gandolfi, Gerardo Ienna, Charles Wolfe, será publicado no final de 2024 (sobre o livro).

Mais informações sobre como participar: malhao.rafael [arrob@] gmail.com

Resumo da apresentação:

Esta intervenção discute a noção de vida como fenômeno técnico a partir de uma leitura paralela das obras de Michel Foucault e Georges Canguilhem, explorando o potencial político dessa visão no âmbito de uma reflexão sobre a biopolítica. Quais são as possibilidades que uma compreensão do ser vivo como agente técnico abre no nosso presente enquanto terreno marcado pela politização do vivente e pela normalização e regulação da vida de indivíduos e populações (humanos e não-humanos)? Se não há vida além das normas que a informam e, no nosso contexto histórico, das dinâmicas de apropriação e governo do vivo através de normas saturadas por imperativos biopolíticos, como uma reflexão sobre as técnicas vitais poderia nos auxiliar a constituir novas possibilidades resistir às normas do biopoder? Como poderiam as noções do vivente enquanto agente técnico e o aparato conceitual canguilhemiano que sublinha os fundamentos vitalistas da tecnologia nos auxiliar na tarefa de “abrir” a reflexão biopolítica para os problemas e crises do presente (como a questão ambiental e climática, ou a do lugar e persistência de modos de vida que se caracterizam como outros em relação às formas dominantes de apropriação da matéria e da vida postos em funcionamento pelo capitalismo moderno ocidental)?

Para responder a essas questões, esta apresentação propõe uma releitura da relação entre Foucault e Canguilhem. Por muito tempo, a visão dominante dessa relação enfatizou uma suposta influência metodológica (afirmando que a versão da epistemologia histórica proposta por Canguilhem teria influenciado a formação da arqueologia foucaultiana, e que este seria o mais significativo ponto de contato entre dois pensadores). Distanciando-se criticamente dessa perspectiva, esta intervenção propõe uma visão destes dois autores equanto interlocutores engajados num fértil dialogo sobre a natureza das normas de vida e seus modos de existência no dominío social e vital. Assim, segundo essa perspectiva, Foucault e Canguilhem são caracterizados como pensadores sociais, fundamentalmente preocupados com as noções de normal, normatividade e normalização, abertos a indagações filosóficas e sociológicas sobre a ação das normas como elementos estruturantes da vida coletiva. Nesse sentido, enfatiza-se a atenção dos dois autores à técnica como elemento explicativo ou ilustrativo dessa relação mutuamente constitutiva entre norma e vida. De maneiras diferentes, os dois autores encontram na técnica – e nas tecnologias humanas em particular – um elemento criativo e de mediação entre norma e vida, que nos auxilia a compreender o modo como a vida é informada por normas, mas é também fonte da agência que estabelece e aplica normas a si mesma, através de mediações vitais, orgânicas e sociais.

No que concerne à ordem da exposição, primeiramente problematizo certas leituras modernas da experiência da vida baseadas na partição entre bios e zoe, isto é, na distinção entre uma vida elaborada e marcada por valores, aberta à auto-realização e a transcendência, e uma vida “nua”, despida de investimentos éticos e políticos, encerrada nas dinâmicas cíclicas do orgânico e no universo da repetição. Busco mostrar que, com o advento da biopolítica tal como descrito por Foucault, o “fato” vital está sempre já situado no interior de dinâmicas políticas, e que as dinâmicas políticas específicas da modernidade se desenrolam sempre desde o interior do “fato” vital. A vida estaria, então, sempre já no território do político; e o político, por sua vez, sempre instaurado sobre “coisas viventes”, e profunduamente arraigado na atividade destas. Além disso, com Canguilhem, busco mostrar que toda vida, todo fenômeno marcado por essa forma específica de existência que é o vital, é um fenomeno que se define pela existência de normas. Nesse sentido, a partir desse autor, proponho explorar o aspecto constitutivo do universo das normas e da normatividade no âmbito do vital, mostrando como todo fenômeno “vivo” pressupõe normas (aquilo que Guillaume le Blanc chama o “binômio norma-vida”).

Discutindo as formas de vivência e relação ativa dos seres humanos com as normas a partir daquilo que Canguilhem concebe como técnicas vitais, analiso o que ele chama “tecnologias coletivas”, e proponho essa noção como conceito chave para reler a ideia foucaultiana da biopolítica. Atentando aos diferentes modos de governo e da ação biopolítica de instauração de normas de vida, busco mostrar como o biopoder constitui uma versão especifica, mas não a única, dessas “tecnologias coletivas”, e aponto para a necessidade e urgência de pensar, registrar e criar outras. Pensar a biopolítica como uma entre múltiplas tecnologia vitais coletivas nos daria a chave para pensar as políticas do vivo ou do vivente para além do biopoder, e para além das partições o político e o vital?

Federico Testa

Possui doutorado em filosofia pela University of Warwick (Reino Unido) e Monash University (Austrália). Atualmente é pesquisador na University of Bristol (Reino Unido), onde realiza pesquisa sobre as dimensões políticas da obra de Georges Canguilhem com financiamento da British Academy. Foi Postgraduate Fellow no European University Institute (Itália), Early Career Fellow e Associate Fellow no Institute of Advanced Study (IAS) da University of Warwick, pesquisador (CAPES Jovem Talento no Exterior) na PUC-Rio, e pesquisador visitante na New York University (EUA). Lecionou em diversas universidades no Brasil, Austrália e Inglaterra. Em 2023, concluiu a redação do livro On the Politics of the Living: Foucault and Canguilhem on Life and Norms (editora Bloomsbury, no prelo). Seu trabalho reflete sobre as noções de norma, normatividade, e agência a partir de diferentes contextos e suportes, da tecnologia à política, passando pela arte e o binômio saúde-doença. Especialista em filosofia e teoria social francesa contemporâneas, Testa é autor de diversos artigos e capítulos em obras coletivas publicados no Brasil, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, Argentina e França. Recentemente, dirigiu a edição especial da Revue internationale de philosophie, ‘Georges Canguilhem Beyond Epistemology and the History of Science’. Além de formação em filosofia, é bacharel em ciências sociais, e mestre em artes visuais, tendo realizado trabalho etnográfico investigando as relações entre reclusão, criação artística, resistência e subjetivação em contextos de internação psiquiátrica.